Mil novecentos e noventa e três. O ano que deveria ter terminado só estava começando.
Sabe escrever pra você parece estranho, mesmo sabendo que não haverá resposta, nem o homem de amarelo gritando “Correio!”. Ao menos não com uma carta sua, mas tem lá seus motivos, mas a droga mesmo é que tenho certeza de que vai responder tudo em sentimento, uma droga maior ainda e que vai saber até a hora em que vou colocar a vírgula, pra separar tudo, eu você, os outros, as coisas que naturalmente tomam seu rumo.
Mas quando digo naturalmente não quero dizer de forma indolor, talvez sem sabor algum, mas, sem dor? Jamais! Seria muito devaneio de minha parte achar que partiu pra puta que o pariu e não sentiu nada, seria? Não importa, o fato é que tudo subiu, a gasolina, a conta de luz, eu subi, mudei de andar, o apartamento é menor, mas tenho uma vista melhor aqui de dentro, uma vista RS! Na verdade não compro nada a vista, é que quase tudo subiu menos meu salário, não posso esquecer, comprei outro gato, o antigo está pedindo descanso, acho que eu também estou. Aqui de dentro a vista é melhor, aqui de dentro eu ouço os passos de pessoas que não conheço, aqui de dentro vejo você atravessando o sinal, nem repara que está vermelho, não respeita a faixa de pedestre. Te contei que fui machucada? É isso mesmo não me machuquei, fui machucada, as pessoas amam isso não? Machucar os outros, eu sempre fui destrambelhada, mas não foi culpa minha, eu vinha na mão certa, você na contra mão, tentei d frear, mas nunca respeitou o sinal, estava fechado lembra?
Mesmo caindo uma garoa fina agora eu sinto calor, o pior é que os cigarros se foram, os gatos se foram, as baratas coitadas estão de mudança tem dias, só esse pó fino ainda insiste em sujar os livros, não tenho mais paciência alguma de ler os mesmos livros, parece um sarau narcisista, ler pra mim o que escrevi pra mim. Ontem quando desci pra comprar pão encontrei com aquela velhinha que lia a minha mão, coitada! Ela ainda acha que o mundo vai se acabar em 2000, que bobagem do jeito que vai ela nem sobrevive até lá, então pra que pensar no fim, se todo santo dia uma coisa termina? Nós terminamos. Às vezes me confundo, nós? Existiu mesmo um plural? Certo, entendi tudo é de forma á ser cíclico. Uma história dessas se torna cordial quando um terceiro elemento entre em cena, daí muda-se o tom da iluminação, desce um azul neon que dá impressão de calma, odeio me sentir tranqüila, dá uma angustia nessas horas, parece que tudo parou o vento e as novidades, tem certeza que ninguém morreu?
Certo então não fica combinado assim, espero sua resposta que não virá e deixo a velhinha lendo minha mão, a sensação que tenho é que este ano nunca findará. Deixe estar não há de ser nada. Espera! O sinal abriu. Bendito mês de abril RS...