segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Fala macia, dentes afiados...


Paradoxos de coxas, lambeduras e brechas, açoites desejados, riscos de afagos e choro, bichos amam como gente, gente deita feito bicho, quando um conto relativo transpassa a dor e faz com que o tempo pare, o contraste entre a dança, a vida e a morte, lambidas languidas, disforme, feio sujo, o enredo daquela noite havia ficado para o tempo, que se fosse ele capaz acabasse por fim com o cio dos amantes, desafiadores de medos, um lobo e uma serpente, venenos desonrantes, tinham então morrido e vivido um dentro do outro de forma que sem começou ou sem fim, de tempos em tempos o encontro acontecia, mas a lua tecia mistérios e desde que o mundo é mundo e desde que o sentimento imundo da solidão demanda coragem eles se encontravam em sonhos, onde Morpheus pai dos insanos faz com que o mar se transforme em bruma e ficam ambos protegidos, lobo e serpente, dançando entre o fogo da vida e o gelo da morte.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Roda da fortuna...


Saiu contando cada passo até ali, contou placas, carros, pessoas, palavras, relembrou coisas que não deveriam estar vivas na memória, contou de pessoas mortas e de luzes flamejantes, deu risada de algumas meninas correndo na rua, ao longe avistou uma roda gigante, mas essa era realmente gigante, ficou pensando quanto tempo demoraria para chegar até ela.

Mais alguns minutos, eram tantas cores, doces, sorrisos, tanta gente estranha, velhas que liam mãos, recordou sua infância onde um pai rude e uma mãe submissa não contribuíram para seu caráter, relembrou a irmã agora distante e dos sobrinhos que nem conhecia, “Mas tornei-me um bom cara, forjado na guerra”. Será?

Não se pode julgá-lo, fez o que tinha de fazer com aquilo que lhe foi dado, no mais o tempo tratou de construir o resto, durante o tratamento junto com toda aquela gente surtada ele ficou imaginando como seria estar fora, agora só queria saber da roda gigante, foi seguindo as pessoas, as luzes, os sons, sons de tudo junto e nada muito certo, eis a roda...

Mirou a dita por alguns segundos e pensou consigo mesmo “Realmente alta”.

_ Oh tio vai comprar ingresso? Ó já ta parando heim?

Olhou o rapaz que deveria ter pouco mais de dezesseis anos, um pouco sardento e um rosto de velho, olhou algumas pessoas na roda, girando, girando, uma moça com um rapaz entre risos, uma mulher já madura, sozinha e de vago olhar, e a roda ia ficando ainda mais lenta, sentiu cheiro típicos, cachorro quente, batatinha, algodão doce, lembrou-se dela. Poderia vê-la ali na roda girando, os olhos castanhos muito vivos e grandes sorriam, um vento que falava começou a passar por entre as saias das moças, pernas, cheiros, e a roda?

Lembrou-se da mala, mas o que havia ali de tão pesado? Resolveu abri-la ali mesmo, fotos, cartas, lenços, e o cabelo, com o mesmo perfume agora, algumas peças de roupas, pouquíssimas, uma carteira de trabalho assinada por duas vezes, um maço de cigarros amassado, passagem de um trem que partiria pela manhã, algum dinheiro, lembranças, tragédias, risos soltos, o cabelo e a foto, e a roda?

_Então tio, vai subir?

_ Vou, mas pode cuidar da minha mala enquanto isso?

_ Ta certo, mas anda logo, as pessoas já tomaram seus lugares.

E ele então tomava seu lugar na grande roda, colorida, ao som de uma música qualquer, que mesmo assim parecia suave, e ela foi girando e ele com o coração apertado pensava “Agora não tem mais jeito,”. Não tinha mais jeito mesmo, era viver ou viver, a grande roda nunca deixava de girar, quando muito parava no alto de tudo, e foi dali que ele viu o mundo e o mundo parecia tão pequeno.


Foto: Sebastião Salgado.