terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Toda nuvem já foi mar...



Vasculha teu próprio interior e nota que nada resta, melhor, resta o pó do que foi um dia, uma seca melodia, um grito rouco que nem mesmo o eco pode ouvir.

Ainda era tão cedo, e ela sentia-se tão tarde, todos os dias a rotina lhe procurava para dizer a mesma frase” esse tempo não espera por você"

Sentava-se calmamente em frente à antiga penteadeira, não havia motivos para ter pressa, não era velha, mas já não era jovem, estava em uma fase da vida que complicar era apenas procrastinar a tão repetitiva vida.

Ali se olhava tristemente, coerentemente escovava seus cabelos, de um lado para o outro, notava que além o espelho havia outra face, certamente não se reconhecia nela, conseguia ver até mesmo as mais minúsculas rugas se formando em seu rosto já cansado.

Ainda que quisesse não atentava para o barulho lá fora, para ela, simplesmente não havia lá fora, escovava e pensava, no filho que não teve, nos homens que amou, e como amou ,amou de forma certa, errada, torta e até mesmo por que não dizer de forma trocada?

Atrás de si havia um antigo relógio cuco, já não sabia que o relógio que era arcaico, ou se ela mesma tinha parado no alvoroçar das horas sepulcrais.

Findava o trabalho sem poesia ou vaidade alguma, notava apenas de relance que começara a chover,disso gostava, gostava de como os pingos beijavam as telhas, sabia que árvores estremeciam quando o vento passava por elas” que inveja “pensava, "elas podem sentir", tocava o queixo, a boca, o nariz, olhava-se nos olhos como quem desafiasse o próprio ego"anda responde alguma coisa!" 
Obviamente ela nada respondia, ela era o que o espelho mostrava, mas nem mesmo ELA sabia disso, pois que de tanto olhar-se sem se ver, perdeu a clara ideia de que já tinha morrido há anos

A chuva só pretendia aumentar, fez caretas e xingou a si mesma, cantarolou algo que não recordava direito, mas esse algo estava ali por algum motivo,lembrou de quando sua mãe lhe trazia conchas"essas eu procurei especialmente para você' sorria feito boba, agora e na lembrança de outrora, foi até a gaveta e buscou o colar de conchas, já um tanto carcomido pelas águas do passado.

O fitou por alguns minutos, decidiu por fim colocá-lo, é estranho o cheiro que uma memória pode trazer, é doloroso saber que havia algo ali, algo que foi levado pela poeira do tempo, podia sentir o sal na boca, sal do mar?

Não, sal do medo, sal das lágrimas turvas que rolavam sem pudores, dos olhos direto para a alma...

Foi até a janela a abriu-a  por inteira,por assim dizer, deixou que fosse espancada pela chuva, que agora já bagunçava o mundo em forma de tempestade, água doce e salgada, o rio e o mar,o temor e a sensação de livre estar,era sua maior aventura depois de tantos anos, resolveu então não pensar mais, foi-se com ela, foi-se para o mar, foi tão prontamente que no outro dia as manchetes dos jornais diziam: Mulher que era gente é levada pela chuva, agora ela é mar, agora ela é mar...toda nuvem já foi mar.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Se por acaso...

Esses anos que correm como quem corre dei si mesmo, esse tempo em que o bem querer é menos ainda que o não querer, idas e vindas infinitas, constantes inconstâncias, direcionamento de desejos, desejos que nem mesmo seus donos sabem se os querem, o celular, o computador, a dor de apenas conhecer a vida do outro por um status de facebook, na esquina não há conversa, nas casas noturnas a disputa gira em torno de quem tem o celular mais moderno, dançar que é bom, nada né? Beijar sim, desde que se possa postar o beijo...
Conhece a ti mesmo? Imagine, se frases feitas e fotos roubadas são conceito de intelectualidade, creio que os pseudos possuem sua vez, é como uma manada de javalis que correm para o penhasco, mas não se dão conta disso, é fácil rir e curtir, complicado é chorar e compartilhar, fora das redes de comunicação, o velho que joga milho aos pombos, a moça que espera na janela, ainda há espaço para "divagantes".
Alimenta seu ego através de comentários que nem ao menos pode afirmar que sejam verdadeiros, deita depois das duas da matina, imaginando se pela manhã haverá mais que estranhos em seu universo, sair de casa e ver o sol virou retrógrado, anda descalço causa doenças, saudade do tempo em que olhar o fim de tarde fazia parte de um dia feliz.
E pensar que faço parte dessa massa...rs

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Fala macia, dentes afiados...


Paradoxos de coxas, lambeduras e brechas, açoites desejados, riscos de afagos e choro, bichos amam como gente, gente deita feito bicho, quando um conto relativo transpassa a dor e faz com que o tempo pare, o contraste entre a dança, a vida e a morte, lambidas languidas, disforme, feio sujo, o enredo daquela noite havia ficado para o tempo, que se fosse ele capaz acabasse por fim com o cio dos amantes, desafiadores de medos, um lobo e uma serpente, venenos desonrantes, tinham então morrido e vivido um dentro do outro de forma que sem começou ou sem fim, de tempos em tempos o encontro acontecia, mas a lua tecia mistérios e desde que o mundo é mundo e desde que o sentimento imundo da solidão demanda coragem eles se encontravam em sonhos, onde Morpheus pai dos insanos faz com que o mar se transforme em bruma e ficam ambos protegidos, lobo e serpente, dançando entre o fogo da vida e o gelo da morte.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Roda da fortuna...


Saiu contando cada passo até ali, contou placas, carros, pessoas, palavras, relembrou coisas que não deveriam estar vivas na memória, contou de pessoas mortas e de luzes flamejantes, deu risada de algumas meninas correndo na rua, ao longe avistou uma roda gigante, mas essa era realmente gigante, ficou pensando quanto tempo demoraria para chegar até ela.

Mais alguns minutos, eram tantas cores, doces, sorrisos, tanta gente estranha, velhas que liam mãos, recordou sua infância onde um pai rude e uma mãe submissa não contribuíram para seu caráter, relembrou a irmã agora distante e dos sobrinhos que nem conhecia, “Mas tornei-me um bom cara, forjado na guerra”. Será?

Não se pode julgá-lo, fez o que tinha de fazer com aquilo que lhe foi dado, no mais o tempo tratou de construir o resto, durante o tratamento junto com toda aquela gente surtada ele ficou imaginando como seria estar fora, agora só queria saber da roda gigante, foi seguindo as pessoas, as luzes, os sons, sons de tudo junto e nada muito certo, eis a roda...

Mirou a dita por alguns segundos e pensou consigo mesmo “Realmente alta”.

_ Oh tio vai comprar ingresso? Ó já ta parando heim?

Olhou o rapaz que deveria ter pouco mais de dezesseis anos, um pouco sardento e um rosto de velho, olhou algumas pessoas na roda, girando, girando, uma moça com um rapaz entre risos, uma mulher já madura, sozinha e de vago olhar, e a roda ia ficando ainda mais lenta, sentiu cheiro típicos, cachorro quente, batatinha, algodão doce, lembrou-se dela. Poderia vê-la ali na roda girando, os olhos castanhos muito vivos e grandes sorriam, um vento que falava começou a passar por entre as saias das moças, pernas, cheiros, e a roda?

Lembrou-se da mala, mas o que havia ali de tão pesado? Resolveu abri-la ali mesmo, fotos, cartas, lenços, e o cabelo, com o mesmo perfume agora, algumas peças de roupas, pouquíssimas, uma carteira de trabalho assinada por duas vezes, um maço de cigarros amassado, passagem de um trem que partiria pela manhã, algum dinheiro, lembranças, tragédias, risos soltos, o cabelo e a foto, e a roda?

_Então tio, vai subir?

_ Vou, mas pode cuidar da minha mala enquanto isso?

_ Ta certo, mas anda logo, as pessoas já tomaram seus lugares.

E ele então tomava seu lugar na grande roda, colorida, ao som de uma música qualquer, que mesmo assim parecia suave, e ela foi girando e ele com o coração apertado pensava “Agora não tem mais jeito,”. Não tinha mais jeito mesmo, era viver ou viver, a grande roda nunca deixava de girar, quando muito parava no alto de tudo, e foi dali que ele viu o mundo e o mundo parecia tão pequeno.


Foto: Sebastião Salgado.

domingo, 28 de agosto de 2011

Pragmatismo versos Praga...


Tinha um tempo em que não parava em casa, um tempo em que deixava o tempo sem correr, parada assim olhando a cidade da sacada da janela ela podia ver os pensamentos nas frestas da janela, pensava que depois de alguns anos naquela cidade, mais cedo ou mais tarde tudo faria sentido, mas o único sentido que encontrava era mirar o pensamento alheio, na casa da frente morava uma senhora idosa, dali ela via seus pensares, a mesma coisa todo santo dia “preciso comprar meus remédios” e se perguntava se também ficaria assim, a vizinha da frente pensava sempre que o marido descobriria sua traição, o vizinho que estuda música pensa no sucesso, mas nem entendeu ainda que não vai viver para ver isso acontecer, ele tem câncer...
Gostava dos pensamentos da menininha da rua de trás, ela pensava colorido, bolhas de sabão e elefantes cor de rosa...
Não era um trabalho fácil cuidar do pensamento alheio, mas também ninguém disse que seria, dali algumas horas iria pegar o avião, e aquelas pessoas sequer imaginariam que estavam alimentando uma estranha... Será que ainda tenho cigarros?
Acendeu um, mais pela fadiga das horas que pelo vício, as voltas que a fumaça fazia a fazia relembrar de que já não possuía pensamentos seus, a TV ligada dava uma idéia do mundo lá fora, furacões, fome, corrupção, depois de tantos séculos nada havia mudado e ela estava realmente cansada, talvez ligar o rádio e deixar correr qualquer música, talvez o cheiro de café a animasse. Por fim começava a chover. “Quantas vezes o homem ainda conseguirá ver esta cena?”. Era este um pensamento seu?
Tanto faz tudo já foi pensando, quando foi chamada para receber seu dom e tomar seu rumo enquanto missão, ela ficou pensativa... “gostaria mesmo era de lembrar o que pensei”.
Hora de ir...
Posso deixar o rádio ligado e a TV fazendo barulho, ninguém irá notar, estão todos muito preocupados com seus supostos pensamentos... A chuva era somente mais um aviso, até quando?

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ouroboros...



Diz-me senhora, quando resolver me entregar o caminho, acreditava que eu pudesse chegar? Mais ainda, pudesse chegar viva e maior?

Que meus pés queimando ao longo do caminho me façam lembrar de quando fui areia do Saara, salamandras dançantes beijavam os desavisados, ouvi conversas vindas do vento que faziam meu coração gelar, mergulhei de forma absurda no poço da saudade, tive visões estranhas de uma lagoa cercada por pedras, onde uma mulher prenha e nua me mostrava um alto penhasco, dele pendia uma enorme pedra, prestes a cair, ainda não...

Tal pedra derramava lentamente lentas gotas...

Reino por ti senhora, pois a roda tornou a girar, decadentes são aqueles que julgam não te amar, esquecendo o fato de que a ti pertencem antes mesmo de serem concebidos, as labaredas que acendi em pensamento me trazem agora a certeza da vereda trilhada, pareciam perdas não é mesmo? Não, não eram, eram encontros noturnos e de fato diante de mestres e damas sacerdotisas eu pude ouvir tambores latentes, fazendo com que a terra enfim parasse, diante de teus pés prostrei-me, te mostrei a que vim, me mostraste o que sou, quem deveria ser, agora .

Surge a primeira estrela, senhora, vou-me novamente como quem reaprende a andar, vendo as cores pela primeira vez, teus olhos de tristes passaram a famintos, eu te alimento, tu me alimentas, não venho em partes o primeira das mulheres, venho inteira, sou corpo e alma de andanças, sou cigana de muitas noites, dias infindáveis, o medo da criança, a dúvida do homem, a certeza do velho. Sou onde tudo é recomeço, ré...começo.

A ti Lilith.






quinta-feira, 26 de maio de 2011

Cartas de retalhos, runas de tarôt...


A rosa que ela trazia no cabelo tinha a cor de sua alma lambida pelas línguas afiadas das adagas distintas do destino vermelho como o fogo, a dança não ensaiada, o xale já antigo as rugas próximas aos olhos, o brilho opaco deles não deixavam negar suas dores, a dor de uma vida morta há alguns anos.

A fogueira foi acesa e ela sem pensar no próximo passo adentrou a roda, girou como uma carrapeta, a ampulheta do ir já se dissipara, assim com o sol que havia se posto em retorno do rumo sem fim, dali por diante era ela a deusa, era ela o respeito temido entre o seu povo, porque até mesmo ali ela assustada, era a bruxa do vento como a chamavam, era o entrelaçar de falar que trazia a tona sentimentos alheios não quistos e muito menos se tinha desejo de que fossem expostos por aqueles que os sentiam, os pés descalços trazia caminhos já não existentes, mais palmas, mais giros, a música entrara num ritmo frenético, indecente, insolente eram seus passos, então como não poderia ser diferente ela o chamou, ali no meio do circulo, diante da fogueira de madeira antiga, chamou seu mensageiro para que ele lhe pudesse conceder um ultimo desejo, o desejo de ser ela uma ultima vez.

O homem de aspecto jovem, ou seja, lá o que ele fosse sua energia facilmente trespassava a alma alheia, sentou-se diante da fogueira do lado oposto ao dela, nada dizia, pois as perguntas já tinham sido feitas há séculos atrás e ele nem sentia mais a necessidade de respondê-las, uma vez que ela perfeitamente capaz de percebê-las o cheiro de lavanda queimada varava as narinas e penetrava a roda, enquanto as palmas continuavam eles apenas se encaravam, era como olhar em um espelho e nem sempre ver-se diante de um era de algum modo satisfatório.

_Então é somente isso?

_ Não deveria estar se perguntando, assim a resposta será dada como errada, mas será exata diante daquilo que questionou.

_ Sei exatamente o que quero, sabe exatamente o que quer?

_Aquilo que você quer é somente o que desejo ter.

_Eu pertenço a tudo aquilo que não possuo.

Desse momento em diante a primeira rajada de vendo levantou a areia do deserto, caso não fosse tão visível poderia até se pensar que se trataria de presságios os arrepios sentidos naquela roda e muito embora o fogo lapidasse a todos e torna-se um pouco menos fria a noite, houve realmente rebuliços de incomodo aparente.

_É isso mesmo?

_É exatamente isso.

_Pois lhe será concedido, muito embora...

_Seu querer, meu bem querer.

.

_Mais música! Mais vinho! Mais dor!

A roda agora era única e as cores misturadas às cores que o fogo tinha tomado era pouco distinguível a quem a via de longe, areia tomava o circulo, a lua acabara de sair por entre as nuvens, o cheiro poderia ser sentido a longa distância, quiçá na cidade vizinha...

Naquela noite crianças acordaram no meio da noite implorando para dormir com seus pais, velhos tossiam até cuspir sangue, mulheres que amamentavam secaram seu leite, barulho o vento falava e implorava algo, mas somente os sonhos poderiam dizer o que, os homens acostumados a se sentirem seguros voltaram a ser meninos desmamados recentemente, tremiam e rezavam suas antigas orações.

O vento agora já não era tão brisa, estava chegando ao ponto de torna-se um redemoinho que ia crescendo cada vez mais e tomando tudo ao seu redor, voavam pratos de ágata e copos de madeira, com isso aqueles que dançavam em torno da fogueira saíram como um rebanho que perde seu pastor.

_Vai ser assim?

_Assim será?

Então veio o furacão e o acampamento foi pelos ares, a lua ficou escura totalmente e sequer havia nuvens no céu, começava a chover, ela juntos a chuva começava a desmanchar a bruxa do ar, aquela que desejou profundamente voltar ao seu lar, sendo ela o próprio vento podendo acalentar suas dores ao invés de dores alheias, ela que tinha visto o começo de tudo e o fim do nada, ela que trazia restos de estrelas e planetas mortos, pedira somente que fosse vento e voltando a torna-se ele tomou o fôlego do começo, o recomeço...

“Soprando-lhe nas narinas um sopro de vida, momento no qual o homem se tornou um ser vivente (v. 7).”

_Mas então, porque me sinto rastejar?

_Não se nega à natureza, não é mesmo pelos pés que se começa a andar?

_Demônio!

_ Saberás como dói ser um de agora em diante... .Tudo sobre o bem e o mal rs...