Vasculha teu próprio interior e nota que nada resta,
melhor, resta o pó do que foi um dia, uma seca melodia, um grito rouco que nem
mesmo o eco pode ouvir.
Ainda era tão cedo, e ela sentia-se tão tarde, todos os dias
a rotina lhe procurava para dizer a mesma frase” esse tempo não espera por você"
Sentava-se calmamente em frente à antiga penteadeira, não
havia motivos para ter pressa, não era velha, mas já não era jovem, estava em
uma fase da vida que complicar era apenas procrastinar a tão repetitiva vida.
Ali se olhava tristemente, coerentemente escovava seus
cabelos, de um lado para o outro, notava que além o espelho havia outra face,
certamente não se reconhecia nela, conseguia ver até mesmo as mais minúsculas
rugas se formando em seu rosto já cansado.
Ainda que quisesse não atentava para o barulho lá fora, para
ela, simplesmente não havia lá fora, escovava e pensava, no filho que não teve,
nos homens que amou, e como amou ,amou de forma certa, errada, torta e até mesmo por
que não dizer de forma trocada?
Atrás de si havia um antigo relógio cuco, já não sabia que o
relógio que era arcaico, ou se ela mesma tinha parado no alvoroçar das horas
sepulcrais.
Findava o trabalho sem poesia ou vaidade alguma, notava
apenas de relance que começara a chover,disso gostava, gostava de como os
pingos beijavam as telhas, sabia que árvores estremeciam quando o vento passava
por elas” que inveja “pensava, "elas podem sentir", tocava o queixo,
a boca, o nariz, olhava-se nos olhos como quem desafiasse o próprio
ego"anda responde alguma coisa!"
Obviamente ela nada respondia,
ela era o que o espelho mostrava, mas nem mesmo ELA sabia disso, pois que de
tanto olhar-se sem se ver, perdeu a clara ideia de que já tinha morrido há anos
A chuva só pretendia aumentar, fez caretas e xingou a si
mesma, cantarolou algo que não recordava direito, mas esse algo estava ali por
algum motivo,lembrou de quando sua mãe lhe trazia conchas"essas eu
procurei especialmente para você' sorria feito boba, agora e na lembrança de
outrora, foi até a gaveta e buscou o colar de conchas, já um tanto carcomido
pelas águas do passado.
O fitou por alguns minutos, decidiu por fim colocá-lo, é
estranho o cheiro que uma memória pode trazer, é doloroso saber que havia algo
ali, algo que foi levado pela poeira do tempo, podia sentir o sal na boca, sal
do mar?
Não, sal do medo, sal das lágrimas turvas que rolavam sem
pudores, dos olhos direto para a alma...
Foi até a janela a abriu-a por inteira,por assim dizer, deixou que fosse
espancada pela chuva, que agora já bagunçava o mundo em forma de tempestade,
água doce e salgada, o rio e o mar,o temor e a sensação de livre estar,era sua
maior aventura depois de tantos anos, resolveu então não pensar mais, foi-se
com ela, foi-se para o mar, foi tão prontamente que no outro dia as manchetes
dos jornais diziam: Mulher que era gente é levada pela chuva, agora ela é mar,
agora ela é mar...toda nuvem já foi mar.
4 comentários:
O
Texto rico!!
Repleto de imagens, cheio de sentimentos tantos que é possível beber dessa água.
Lindo Jack!!
Beijos
Se não anda pelos blogues é porque está feliz,fico feliz.
As lágrimas correndo dos olhos para a alma. Lágrimas invisíveis no mais das vezes, a vida tem sido isso...
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