sábado, 31 de outubro de 2009

Cadência, decadência...


Que ele estava entre minhas pernas é óbvio, que ele achava estar em minhas entranhas? Sim mas era ridículo!
Lembro-me daquele ano, qualquer coisa entre oitenta e noventa, sem muitas mudanças depois de 86, apenas um novo endereço e outro apartamento, sim e daí eu tinha a plena noção do que encontraria.
Nada de novo e tudo sendo feito igual, mas e nova forma. Eu subia o terceiro andar, sempre de escadas era preciso fazer algum exercício além do sexo...
Ai porcaria! De certo que eu estava atrasada, mas sinceramente isso era o de menos se toda a minha vida eu passei chegando na hora errada certamente não seria agora que eu iria me concertar não é mesmo?
_ Bom dia senhorita, desculpe, mas o professor está atrasado, espero que não se incomode de esperar alguns minutos, tenho certeza de que ele está chegando.
A essa altura eu estava mais do que feliz, eu não era a única que chegada depois da hora.
O mais estranho é que todo aquele lugar me parecia familiar, a estátua de péssimo gosto, pra mim claro! Um lustre antigo que com certeza não era cristal, claro que eu mal tinha posses, melhor, posses nenhuma, mas os homens com quem eu havia-me “relacionado” e algumas mulheres haviam me mostrado que o mundo não se fez somente por conseqüência do mau gosto...
_ Mais alguns minutos e ele estará chegando.
Ao menos o tempo era frio e cinza, se estivesse quente ali eu realmente teria ido embora...
_ Senhorita, por favor, o Doutor Lucas acaba de chegar tenha a bondade de entrar.
Tenha a bondade de entrar? Em que década vivia aquele cara?
Bom a sala não me parecia muito mais do que imaginei e olha que sou boa em imaginar!
“Sente-se” E ele disse sem calor ou frio nas palavras.
Lembro-me do rosto dele, bom eu achei particularmente que seria alguém mais velho e até mesmo, deixa não importa...
“Então Virgínia, o que trás á mim além do óbvio?”
Ora! “Ele sabia perfeitamente que eu estava ali pra falar do projeto e...”
“Acha mesmo que o tal projeto poderia ajudar as pessoas que você menciona?”
Bom se eu não achasse, não estaria ali!
Bom, não era o começo o qual esperei, afina de contas tudo tinha sido visto e revisto, eu não era burra, não jogava sem julgar as possibilidades e embora fosse uma tragédia com minha vida eu não brincava com vidas alheias...
_Bom senhor, como pode ver eu deixei tudo detalhado no texto que apresenta o projeto e nas planilhas tudo tem fundamento e eu consultei advogados os quais me deram a certeza deque todo investimento feito em pró do projeto se bem aplicado e seguindo os fundamento não trariam nenhum prejuízo aquele que investisse.
_Por um acaso eu perguntei isso?
Quem era aquele cara ali quase da minha idade dizendo essas coisas assim?
“Se você fosse uma cor, qual seria?”
Que pergunta mais imbecil não era uma entrevista de emprego.
Numa fração de segundos ele abriu uma caixa de madeira, uma caixa de madeira?
Exatamente, uma caixa com uma radiola dentro, caramba! Havia muito tempo se é que eu tinha visto algo assim!
Ele apenas caminhou até a estante, nada fora do comum aos meus olhos, e escolheu um disco, tinha uma capa grande com nomes que de onde eu estava não conseguiria ler, retirou o velho vinil, colocou no aparelho que pra mim nem existia mais, andou como se o tempo pouco importasse e ele realmente importa?
Abriu uma gaveta, tirou papéis, os deixou em cima da cômoda, andou até o frigobar, que homem contraditório, pegou algo, algo pra beber, neste exato momento eu percebi algo, o cabelo assim como a barba eram grandes, até de mais pra alguém que lidava com o poder que eu julgava que ele tinha, esse mesmo cabelo caía na cara quando se abaixava pra pegar algo, tinha um nariz um tanto exagerado confesso, narizes querem dizer algo?
Não via mais seu rosto o cabelo não permitia...
_ Você bebe algo?
_Água com gás, por favor.
Quem disse?
Serviu-me dois dedos de vinho, mas há umas hora dessas?
E que falta de respeito era aquela?
_Virginia, por favor, sente-se de frente para aquele espelho?
_Como senhor?
_ Você é burra ou surda?
_ Como é?
_ Nenhum nem outro que eu bem sei...
Pois bem eu ia sair, que conversa era aquela, eu tinha ido apresentar um projeto no qual eu acreditava, no qual eu poderia ajudar pessoas no qual passei dois anos cuidando e velando pra que nada fugisse do planejado, gastei do meu bolso, tive essa idéia ainda na faculdade amadureci conheci pessoas e compartilhei sonhos e agora...
Não sei a freqüência do tempo, mas lembro o momento e lembro também de sentir que estava morrendo e alguma vez eu lembrava que tinha morrido e sabia como?
Pegando-me pelo braço ele disse “Agora preste atenção”
Eu estava de volta ao colegial, onde uma professora que eu nunca suportei me dizia “Você é nada e conseqüentemente por conta da sua ignorância não vai conseguir absolutamente nada.
_Deixa que eu a veja no espelho!
_Eu vou embora o senhor é louco!
_Senhor?
_Sou educada!
_É mentira...
Eu estava prestes a gritar, quando pude ver seu rosto de perto, tão perto que tive de piscar algumas vezes, só pra ver se estava vendo ou apenas delirando.
Eu conhecia aquele ser, aquela criatura que era mentira e agora se mostrava tão real, eu sabia da sua natureza, de como sugava tudo de bom que havia em outros, de como ria quando queria chorar e de como fingia chorar quando na verdade morria de rir por dentro.
A mão na minha boca fez parar a minha última intenção de son, a mão na minha boca fez com que eu sentisse seu perfume, perfume?
Tantas vezes eu quis saber como era seu cheiro, mas pelo amor de Deus! Isso tinha mais de sete anos e como pela misericórdia divina eu não o reconheci? Agora realmente eu não queria mais falar, ele disse o que eu diria, ele disse o que ele pretendia dizer...
“Quando me fez pensar que era mentira deixou que a verdade viesse á tona”
Continuou com a mão em minha boca, e respirava tão perto do meu ouvido que eu sinceramente achava que ia vomitar. Senhor como eu pedi que ele fosse mentira, como eu rezei noites seguidas e o projeto e as pessoas e...?
_ Esperei anos pra te dizer que não era mentira, esperei segundos que pareciam acorrentar meus sonhos, larguei carreira, lecionei, mas isso foi o de menos, eu deixei família, amores, lugar, passado pra que você não soubesse de mim até o devido momento, você me tinha em fotos e conversas, algumas vezes vozes...
_ Mentiu o tempo todo!
Eu estava numa sala terrivelmente decorada vestida com alguém que vai apresentar um projeto salvador de vidas, dependendo de um sim pra que tudo a meu redor mudasse, o homem na minha frente significava a morte de meu presente e a revolta do meu passado...
Eu juro que estava enjoada, eu juro que tentei me soltar, eu juro?
“Shiiiiiiiiii!”
_Não me manda calar a bocaaaaaaaaaaaaaaaaaa! Sabe como eu odeio que me mandem calar a boca, sabe que eu...
Sei de tudo, sei da tentativa de suicídio, sei dos problemas de saúde, sei dos e das amantes, sei das noites em festas promíscuas, sei da sua solidão e da sua falsa vontade de ajudar pessoas quando na verdade nem consegue ajudar a si mesma...
Tudo que eu queria era força pra sair dali, tudo que eu queria era ficar.
A mão não estava mais em minha boca, a mão ia de encontro ao meu coração, sem maior sensualidade, ele apenas queria saber como andava meus batimentos...
Ainda assim eu caí, cai ali no carpete nem tão sujo nem tão limpo, é que em outros tempos e diria até em outra vida eu teria morrido por aquele toque, mas fazia anos que eu estava morta.
Ele iria então me matar, dando o golpe de misericórdia...
_ O projeto é uma porcaria, nada feito a Universidade tem um nome a zelar e não vai arriscar tanto dinheiro em algo tão subjetivo.
Eu era bicho adestrado no carpete, como se apenas esperasse a hora de comer e defecar, no entanto, eu ouvi suas palavras, eu juro que ouvi.
_ Desgraçado! Eu posso usar coisas contra você e sabe bem disso?
_ Minha querida! Sabe que tenho coisas suas até hoje?
Ele tinha mesmo, falei por falar a vergonha nunca iria permitir que eu revidasse, mas não fui eu quem o deixou, não fui eu quem mentiu e agora pergunto como ele chegou até ali, como chegou até mim?
_Eu vou embora...
_ Não, tenho algo pra você!
Desligou a vitrola que naquela altura eu nem lembrava mais o que tocava...
Silêncio. Desligou o ar do lugar, abriu as janelas eu já havia me levantado, mas estava longe de me recompor eu senti o vento entrar, eu vi outros prédios, eu senti que ia morrer...
Eu fiquei ali parada diante da janela eu fechei os olhos esperando o golpe final, eu morri?
Um som vinha agora de algo mais moderno, bem mais, uma música essa eu sabia qual era. Não virei de encontro ao seu rosto eu apenas fiquei...
“Lembra-se do tal abraço?”
Lembro do respirar, do prometido e nunca cumprido, lembro que deveria ter usado calça ao invés de saia, lembro que o cabelo estava prezo. Trouxe seu nariz até meu ouvido, disse que me mataria, pois eu o tinha matado, mas onde quando eu tinha feito isso?
Agora era botão por botão, agora eram fragmentos de frase e a porta sequer estava trancada, que espécie de vadia era eu que não revidava? Simples, uma vadia morta.
E tinha espamos como quem morre de algo súbito e tinha um respirar de quem ardia em fogo e brasa e vomitava cada palavra sem a menor decência e puxava meus cabelos como se quisesse cortar meu pescoço, eu juro não era muito mais que um pedaço de carne, algo inanimado...
_Virginia?
_Hum?
_ O celular despertou e você sequer ouviu?
_ Eu ouvi!
_ RS... Ta bem...
_Estou acordada. Estou não é?
_ Não sei, está?
_ Hum!
_ Tenho tempo para um café depois do banho?
_ Sim , você tem.
_ Ótimo café e rua, não tenho tanto tempo, afinal hoje é o grande dia!
Saí de calça e não prendi o cabelo, sinceramente eu não estava disposta.
“Taxi!”
_ Para onde senhora?
_ Edifício Caiçara, por favor!
_ Sim senhora!
_ Moço o sinal está vermelho! Moçooooooooooooooo o sinal!
“Vermelho! E eu que sempre gostei tanto do carmim...”












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