sábado, 31 de outubro de 2009

Paradoxal...


Por que morrer ali se tornava doce, não vou deixar bilhete algum, não tenho talento pra isso e por fim vou me tornar repetitivo, cansativo de mais, por enquanto era só apenas isso, o mar inteiro pra mim seria uma honra pra ele me ter em seus braços e deixar que eu meu corpo flutuasse sem pressa indo e vindo ao ritmo das ondas, sair de algum lugar que não conheço indo de encontro ao salgado, nem calor nem frio eis o mormaço, caso da semana passada nos jornais, ninguém iria lembrar por muito tempo e eu sinceramente espero não ser encontrado, de tal forma sem cova nem epitáfio, apenas indo.


Naquela última noite eu fui mais uma vez até a janela, vê-la pintar novamente, sabia que era o mesmo quadro pela escolha das tintas eu tinha decorado sua mecânica forma de pega-las, arrastava a cadeira até bem próximo da tela e por alguns segundos a olhava, era canhota, nada de mais, levantava a mão e a deixava assim por pouco tempo, apenas erguida e seu olhar via, mas não enxergava o mesmo quadro, os mesmo movimentos.


Bebi o mesmo suco, e por uma fração de segundos eu a vi sorrir, vi mesmo? Acho que não, dei uma volta pela sala olhando os livros que ainda restavam, alguns carcomidos já, não queria ouvir som algum que não fossem meus passos ou respiração, desisti e voltei pra janela, ela já tinha começado á pintar, as mesmas cores, que vadia idiota! Como se não soubesse que eu estava ali, eu sabia exatamente o próximo passo, pincel na água, pra que? Matiz, cores em matizes, óbvio de mais, o telefone tocou uma vez mais, desistiu, claro que eu sabia quem era tudo tão repetitivo, parou.


O pincel na tela novamente, quando ela ia terminar o maldito quadro? Será que tinha a petulância de achar que eu não sabia o que ela pintava de pernas abertas contra a tela, não possuía nada fora do comum, mais uma decadente entre tantas outras, achei de um descaramento e tanto quando se levantou foi até a cozinha e trouxe de lá um copo com gelo, também sei o que ia fazer. O gelo na tela, como se já não fosse o bastante fria pelas cores que usava azuis e beges, quão brega ela poderia ser meu Deus!


Ao invés de assumir que não tinha talento como a maioria insistia em se dizer pintora, o escambal! Quem ela era? Coisinha de nada...
Mas ali eu era doce, mesmo sendo intragável ele me levava embora, primeiro os sapatos que fui deixando por ali, meias, calça e cinto, não lembro as cores, camisa branca, nu finalmente, nu por inteiro mesmo que estivesse vestido, quem ela pensa que é?
Parecia que eu estava em transe, era a maresia, eu poderia ser apenas água agora, seria apenas água, sentei ainda por um tempo naquela areia, me senti parte de tudo aquilo, sendo que não sou parte nem um todo de nada
Artista! Que piada RS...


Dezembro de 98...


_ Então vai mesmo expor as telas?
_ Sim, vou sim.
_ São lindos os quadros!
_Obrigada, espero que os compradores também pensem assim...
_ E esse, quem é esse?
_ Não sei, não conheço (riso de canto de boca)
_ E como o pintou então?
_Bom inspiração é o que me move.
_Então pelo menos me diz como vai chamá-lo?
_ Voyeur.
_ Bom nome, mas não entendo o...
_ Não precisa, ele entendeu.
_ Seu telefone, não vai atender?
Parou por alguns minutos olhando o aparelho como se nunca tivesse visto algo tão estranho em toda sua vida, depois se voltou pra tela...
_ Não, deixa tocar.
_ Crê em fantasmas?
_ Como?
_ Perguntei se crê nessas coisas, magia, gente que morreu e volta pra atormentar os vivos!
_ Que bobagem, não, claro... Que não!
_ Novamente o telefone!
_ Não vou atender, já disse!
_ Tudo bem, poderia ser alguém querendo saber sobre a vernisagem, ou coisa do tipo, de qualquer forma se eu fosse você eu...
Foi até o aparelho, puxou o fio e olhou pra janela, nada ela continuava fechada, desde que terminou a tela ele não apareceu mais...
_ Procurando algo?
_ Não, acho que estou atrasada certo?
_ Deixe-e ver. Sim, mas um pouco só e é até charmoso isso hoje.
Ainda olhando a janela...
_ Pode me trazer o colar?
_ Como?
_ O colar, aquele dos cavalos marinhos. Está na gaveta da cômoda.
_ Posso claro.
_ Obrigada!
Religa o aparelho, vai até a janela, volta e agora resolve ligar...


_Claro que eu sei quem é!
_Mas não quero saber, vou pro mar como quem vai pra casa depois de anos longe e de uma guerra perdida...
_Nos poucos momentos que sentei na areia tive a impressão de não ser eu, infelizmente ainda era e nada conseguia mudar o fato, odeio fatos, consumados ou não, vai ser doce, assim como planejei.



_ Vai chover eu acho!
_ E agora essa! Tinha de ser justamente hoje!
_ Ta, agora vamos.
Como naquilo que chamam de dejavi algo aconteceu tão rápido quanto os olhos quando piscam e tão lento como o respirar de uma criança quando dorme.
A queda da escada, a quebra do colar, o quadro despencando da janela, ao contrário do que se pensa, não havia medo era tudo tão sublime, agora findou, simples assim.




_ Que nome esquisito pra um livro!
_ Desde quando livros precisam ter nomes considerados normais?
_ Está bem, entendo, não te encho mais. Estou indo, quer algo pra mais tarde, sei lá! Pra comer?
_ Estou bem, não precisa.
_ Ok até mais tarde então!
_ Sim, até!

Vai até a janela novamente...
_ Então ela não voltou mais, desde que terminei o livro!
Na estante perto dos livros velhos comprados em algum sebo da cidade iria colocar o seu, com nome esquisito e tudo: A corda do enforcado
_ Perfeito! _ Disse pra si mesmo.
_ Vai ser doce assim.











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